Chegou até mim pelo som. Um oud. O som agudo das cordas a vibrar, um lamento, portento, choro consolado de um ser sem esperança. Acendi um cigarro que não fumei. Deixei-o consumir-se, tornar-se cinza, em respeito para com o suspiro que me chegava, desde o outro lado do muro. Mas não estava só, aquele som...
... Um piano entrou, lento...prolongado...pingado...Não estava só, aquele som...
... Outro se lamentava, melancolicamente, consolando-se mutuamente. Fiquei sentado, a escutar, em silêncio, a escutar o incestuoso som de dois instrumentos que se amavam como irmãos.
Fiquei sentado naquele banco, encostado à parede, a ouvir aqueles dois instrumentos copularem meticulosamente ao entardecer, gerando um prodígio que me fez sorrir. Afinal era possível, sorrir.
Como se nada mais fosse que uma simples conversa, gémea no tempo e espaço, um som secundava o outro, interrompia-o, respeitava-o, preenchia-o. Nada parecia mais justo, nada parecia mais certo. Naquele instante, apaixonei-me pela arte. E nesse momento, talvez mesmo somente nesse único momento, senti que a razão de ser, tinha acabado de se revelar.
Sempre me senti um esteta, que ama as coisas belas do mundo. Amo os corpos que me despertam pensamentos grandiosos e sentimentos empolgantes. Na minha intimidade, sou um purista, que vive na simbiose de todas as contradições. E nesta simbiose, dei à luz a razão como a criação pura, ausente de regras que não as assumidas.
Como tantos outros saturo na realidade a perplexidade que me puxa para fora daqui, num apelo à preservação da fuga, da fuga da dor, do medo, não da solidão, mas do desconforto, daquele que se agarra ao meu íntimo, incapaz de me deixar saborear a paixão lenta que deveria envolver-me todos os dias. A minha viagem é como a de um homem que procura compreender esse incómodo aparentemente sem razão.
terça-feira, 30 de junho de 2009
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