segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Jenny Holzer

No Hospício

Ó senhor, nesta terra, quem questiona é um criminoso de pensamento, ou pensa que eu não vejo? O que quer que eu faça? Cansei-me de passar os dias enfiado num buraco para ter dinheiro, para gastar a comprar coisas feitas pelo mesmo tipo que me pagou para as fazer. E se não foi ele que as fez, foi outro parecido, ou pensa que não sei? Esta coisa da politica salarial não passa de um empréstimo com retorno garantido. Não fosse gozar tanto enquanto beneficio do crédito e já tinha metido uma bomba nisto tudo.
Sabe que vivemos num planeta minúsculo, num dos braços exteriores de um sistema que é um entre biliões e biliões? Sabia que o universo está em progressão? São eles a dizer, não eu. Dizem que se o universo não tiver matéria suficiente, a gravidade não vai ser capaz de atrair a matéria e tudo terminará num universo gelado. Literalmente! É que na vida, tudo depende de energia. Que sentido faz gastá-la toda a consumir a que consegui nas horas em que descansei? Por outro lado, que sentido faz ficar com ela?

...

Não, não. Isso é um erro. Não quero combater sistema nenhum. Dizem que de invejoso a intolerante é possível chegar a visionário. Eu não sei, que nem vejo bem sem óculos e o senhor é que mos tirou. Sim, já sei. É um castigo temporário. Mas na realidade a culpa não é minha. Não sou o caos. Aqui está tudo tranquilo mas é só à superfície e porque o senhor tem um laboratório. Você fala-me de cura, mas tudo o que vejo por aqui é insistência.

...

Nada disso. Não é verdade que eu tenha desprezo absoluto pelos outros. Tenho é muito respeito por mim! E não é pelo movimento dos outros que me ilibo da responsabilidade do que é uma escolha minha. Se isso faz de mim louco, então não estou interessado na sanidade. Eu entendo! Se a culpa for de todos, a culpa não é de ninguém e a culpa é o pecado predilecto das massas, ou pensa que eu não sei que toda a gente adora ver falhar quem tenta? E olhe que não sou o primeiro a dizer isto! Mas nem preciso de sífilis para o dizer.

...

Na realidade não o fiz por mal. Não sou perigoso. Aliás, desde que aqui estou, nem precisei de ser acorrentado. Pelo menos não muita vez. Não sou perigoso. Quer dizer; pelo menos não mais que qualquer outro. O senhor diz que é não é normal, mas olhe que o que fiz, faz todo o sentido. O senhor quer impor uma normal, mas as coisas não são imutáveis. É o resquício dormente, a pontada aguda. Isso é que fica! O senhor pergunta porque o fiz. Porque é que não haveria de o ter feito? Deixei-me adormecer. Na realidade o senhor não sabe o que não ouve. Ele abusava. Estava-se mesmo à espera. Foi comido por um réptil gigante. O quê?

...

Pensei muito nisso, acredite. Terei alguma coisa a acrescentar? O senhor fala de desperdício, mas aí eu pergunto: e será possível o mundo sentir falta de uma coisa que não fiz? Não me parece e olhe que o maluco aqui sou eu.

...

Pronto, tudo bem. Escolha a terminologia o senhor. Se Deus tivesse aparecido a perguntar-me se queria nascer, teria optado por morrer, porque neste momento, o que me parece importante, é destruir o que sou. Tornar-me anónimo, porque adónido já eu sou. Sem vontade, não há como conspurcar a perfeição. Eu só queria renascer, morrer de novo, para assim me recriar na perfeição. Pergunta-me porque fiz o que fiz; foi por isso. Negar-me a mim próprio, para assim me puder construir. A memoria é a existência. Sabe, neste mundo, tudo são coisas. E as pessoas até são mais! Têm vocabulário jurídico. O que é que isso tem a ver? Tudo. As pessoas estão interessadas em simular. E reciclar. Já viu que reciclamos tudo? É para não contaminar o resto da espécie. Sou um miserável emocional. Foi por eles que o fiz e como sou um deles foi por mim também. Por isso é que acho mal ter sido travado. Quem lhes deu esse direito?

...

Oh. Também já pouco importa. Quando se é livre de escolher, é difícil optar por um só. Tanta teimosia irreflectida por preconceito. Tanto sossego traz as suas certezas dogmáticas. Já lhe disse. Se é para isso, não conte comigo. A minha mulher diz que não posso estar bem e a forma que ela tem de me ajudar, foi enfiar comigo aqui.

....

Não sei. Não me sinto anormal. Não conheço a normalidade, só por ser uma vítima dela.

...

Isso quer dizer o quê?

Makoto Yabuki

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Pensando no que fiz...

...acho que não podia ter acontecido de outra forma. Não lhe dei opção. Forcei-a à ruptura pela forma precipitada com que me deixei envolver-me numa relação com uma mulher que não queria o mesmo que eu. É um erro, eu sei. Um erro que nunca antes tinha cometido. Mas não consegui conter-me. Amei-a profundamente, com um sentimento incontrolável, que condenou a relação evoluir, impedindo-a de evoluir pelo conhecimento e pela partilha.
Reconheço isso. Que a inabilidade foi minha. A crueldade e ingratidão com que ela respondeu, foi a defesa dela à pressão.

Descontrolei-me. Comportei-me como uma criança perdida e desorientada. Reconheço isso hoje. Mas o que está feito, feito está e tudo o que posso fazer é arrepender-me e não repetir o erro.

Quando penso nisso hoje acho que nós nunca chegámos a conhecer-nos.
Nem eu sei para além do superficial o que ela é, nem ela conhece minimamente o que eu sou, como pessoa e como homem.

Mas hoje sei porque gostei dela. É uma miúda querida, boa pessoa, bem formada, uma mulher linda que anda de cabeça para cima, sensível e inteligente. Naturalmente é também insegura, frágil, susceptível, tímida e com alguma dificuldade em esquecer o que não consegue deixar de lembrar. É também um pouco mimada, coisa natural numa pessoa que está habituada a ter tudo o que quer.

Infelizmente a relação morreu, porque na verdade, não há nada de comum a promover a proximidade e sem proximidade, não faz sentido ter relações.

Mais do que amizade, procuro intimidade e isso é algo que ela não tem para me dar.
Costuma-se dizer que toda a gente deve cometer um erro pelo menos uma vez na vida, mais que não seja para experimentar.
Eu já cometi o meu e já aprendi com ele.
E sosseguei a ansiedade a partir do momento em que me fiz lúcido, de novo. E toda a gente sabe que não há como manter uma relação com alguém que não quer nem pode dar aquilo que queremos.

A vida está cheia de coisas que num momento parecem indispensáveis e no momento seguinte desaparecem para não mais voltarem.

Assim foi

Até começámos bem, naquele jogo do toca e foge. A princípio é assim mesmo. Faz-se o que se quer e ninguém tem de ser culpado por isso. Eu dei, ela recebeu, retribuíu, aceitei. A coisa avançou, até chegar àquele momento em que as pessoas, no caso nós, ou nos envolvemos ou nos afastamos. Afastei-me. Mas ela não me quis deixar ir. E eu, como na verdade não queria assim tanto ir-me embora, voltei. Se não nos iriamos afastar, iriamos envolver-nos. Pensava eu. Por isso continuei a dar. E ela a receber. E a retribuir. E a coisa continuou a andar. Mas de tanto andar, estagnou. Eu, curioso e interessado, tentei fazer a relação evoluir. Apertei um pouco. Ela ai fugiu, sem sequer responder. Limitou-se a desaparecer, talvez com medo do que estava a sentir e por certo com medo do que teria de assumir. É o que dá envolvermo-nos com garotas.

Ontem pensei suicidar-me

Mas depois não me apeteceu escrever nenhuma carta de despedida e por isso guardei a ideia para outra altura, porque suicídio sem carta, não é digno.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Mamas

1 – O que é que tu estás a fazer! Veste lá isso! Não quero ver as tuas mamas.
2 – Mas, mas, disseram-me que queria fotografá-las?
1 – Estou aqui para fotografar soutiens, e para isso preciso que metas as mamas dentro dele.
2 – Mas dentro do soutien, depois não se vêem as mamas!?
1 – Exacto! É ess o objectivo.
2 – Porquê? Não gosta das minhas mamas?
1 – Não estou aqui para gostar ou deixar de gostar. Já escolheram as tuas, calculo que devem merecer ser mostradas, mas eu agora não as quero ver.
2 – Porquê? É gay?
1 – O que é que isso agora tem a ver?
2 – Está a dizer que não gosta das minhas mamas!
1 – Mas quem é que te disse que não gosto?
2 – Está a dizer-me que não as quer ver!
1 – Ouve, se fizeres muita questão, podes mostrar-mas depois, mas agora precisamos de trabalhar.
2 – Mas o meu trabalho é mostrar as mamas!
1 – Pois, calculo que sim; mas o meu não.
2 – Então e agora o que é que eu faço?
1 – Fazes o que eu te digo.
2 – Estou a ver que não gosta das minhas mamas...
1 – A beleza das tuas mamas não está em casa.
2 – Isso quer dizer que gosta delas?
1 – Estou certo que devem ser muito interessantes.
2 – A sério?
1 – Querida, é uma força de expressão, não a leves muito a sério. Agora faz o que te pedi e vamos trabalhar, está bem?
2 – Não gosta de mim?
1 – Nem te conheço.
2 – Mas eu estou aqui.
1 – Sim, mas é a primeira que te vejo.
2 – E não quer ver-me mais?
1 – Se não paras com as perguntas, não vamos conseguir despachar isto nunca.
2 – Mas eu gostaria de conhecê-lo melhor.
1 – Minha querida, isso faz-se a conversar, não a foder.
2 – Mas eu nunca fui de falar muito...
1 – Tens sempre a boca ocupada, não é?
2 – Nem sempre; às vezes apenas...
1 – Deixa. Deixa. Não quero saber onde metes a boca.
2 – Oh; eu só ia dizer que às vezes não falo mais porque não sei o que dizer.
1 – E nesse caso fazes muito bem em manter a boca calado, que é exactamente o que não estás a fazer agora.
2 – Está farto de mim?
1 – Não mulher, mas quero trabalhar.
2 – Certo. Que faço então?
1 – Para começar, vestes o soutien.
2 – E não é para mostrar as mamas, certo?
1 – Pois, não é. Tenho a certeza que as sabes mostrar muito bem, mas depois, está bem?
2 – Isso quer dizer que depois vê as minhas mamas?
1 – Que fixação com as mamas, mulher!
2 – Tenho orgulho nelas.
1 – Já percebi!
2 – Acha que não devia?
1 – Isso é lá contigo.
2 – Mas, se não o fizer, ninguém me vai dar emprego.
1 – Pois, estou a ver. Então nesse caso, é melhor continuares.

Aconteceu no passado dia 15

O tipo gostava.
De tudo o que ela dizia.
Qualquer um gostaria.
De ser convidado.
Que alguém se sentisse fascinado.
Ah!, pois, já mo tinham dito.
Ficar atordoado.
Tipo objecto.
Tipo pássaro.
Assim por assim, não.
Deve ser estranho ficar de lado.
Ele amava-a. Passou-se.
Para o outro lado.
Foi uma vergonha.
Caíu sozinho.
Havia mais que não foram convidados para a festa.
Mesmo depois dele lhe ter dito tudo.
Foi uma conversa de mudos.
Houve carne, ao menos?
Vegetarianos.
Comiam ovos, portanto. E como ouviste dizer? Foste?
Fui.
Não pensaste sequer em dizer uma única palavra?
Calei-me.
Havia silêncio?
Um tipo cantava, bêbado.
A sonhar com deusas no deserto?
Eram mais tempestades no paraíso.
Na água vem a vida!
É um facto.
E quem chorou?
O tipo que estava a sangrar.
Tudo para tentar vê-la?
Não só vê-la, matá-la.
Caiu numa armadilha.
Foi ensaboado devagarinho.
Só assim?
Ficou sozinho.
Com a cabeça aberta.
O verdadeiro amor espera, disse-lhe ele.
E beberam alguma coisa?
Cantaram em árabe.
Em berbere?
Só em espírito.
Havia muita coisa para uma festa no deserto.
Um dinamarquês apareceu lá a filmar toda a gente.
Havia um que dizia que sonhava com o amor preso á pele.
Não trouxeste dessa droga que ele tomou?
É o que estás a fumar.
Estou a ver porque ele acreditava no amor.
Não tinha confiança em mais nada.
E então ele apareceu?
Falou.
Ela respondeu...
Disse-lhe sem lógica que tinha chegado o fim.
E ele disparou.
Só ficou ali a ouvir o que ninguém tinha a dizer.
Era o fim da esperança.
Sim. Falhou o tiro.
Acertou no que sangrava.
O pobre que acreditava no amor, foi morto por causa dele.
Um amor que nem era o dele.
Tinha chegado a hora do Orfeu, nada mais tinha a dizer.
Foram nadar todos juntos, os que ficaram.
Quando alguém os convidou a esquecerem os dois corpos.
Com uzzis.
Compradas a algum traficante judeu que trabalhava nas obras.
Desfizeram-nos.
Menos ele.
Ele ficou na casa a sonhar com amor verdadeiro.
A olhar para ela.
Até o outro lhe desfazer a cabeça.
E ela ficou sozinha?
Chorou depois de cair o muro.
Ele não tinha sido convidado.
Eram tribos rivais.
Só até a ter descoberto.
Mas de nada serviu. Todos morreram.
Certo, certo, é que ninguém morreu afogado.
Nem por excesso de brilho?
Não sobrou ninguém.
Ficou só ela.
Na sua casa.
Com os mortos entre os braços.
Eles tinham-se conhecido num concerto.
E depois vieram as tretas de se flutuar como uma pena.
Um mundo bonito.
Com ambos a acharem-se especiais.
Pelo menos, um para o outro.
Não havia ali pertenças nenhumas.
Não havia controlo.
Ignorou-se tudo.
O tipo era um cretino.
Ela não pertencia ali.
Não havia mais nada a dizer.
Ela chorou nessa noite.
Ficou só ela viva.
Com bactérias e infecções.
A morte é uma porcaria.
Era lógico que queria morrer.
Tinham-se baseado num livro.
O gerente da loja à espera dela.
Ele tinha um cabriolet.
Carreira de sucesso.
Mulher e um filho.
Putanhices.
Divórcio.
Era bom na cama.
Ela gostava.
Ela gostava de muitos.
Mas ele gostava era dela.
Ele nem sabia.
Nem queria saber.
Até que os apanhou.
Não ficou com o outro?
Não havia outro. A outra era divorciada.
Tudo muito bem sucedido.
Festas da não gravata.
Uma em cada noite.
Todos bêbados foram nadar.
O do cabriolet não foi.
Ela ardeu com outro.
Não havia televisão.
Nem jornais.
Foi só foder.
E houve um fim?
Quando morreram.
Cada um à sua maneira.
Eram fascinantes.
Cada um por si.
Rezaram.
Por algo puro e singelo.
Para ele.
Para ela.
Quem ouvia voz dela quando falava.
Nunca tinha sido adorada daquela forma.
Sentiu dor por ele.
Ela viveu.
Houve sangue.
E coisas que não se viram.
Tu, eras como eu.
Leva contigo a dor que eu sinto.
Assim ninguém te vai adorar.
Ela chorou por ele.
Ele chorou por ela.
Houve dores de cabeça.
Acusações.
Atentados.
A cidade dividiu-se.
Os gerentes comerciais deitaram fora as gravatas.
35.000 mortos.
Os rivais desfizeram-se depois da matança.
Foram os doentes que escaparam.
Como nós.
Houve fraude.
Ela morreu de fome na prisão.
Qualquer coisa presa na garganta.
Engasgou-se. Não podia comer.
Morreu estranhamente excitada.
Ninguém lhe quis lavar a alma.
Queimaram a igreja.
Deixou de haver convites para quem quer que seja.
A cidade morreu.
Agora há só uma.
Dividida em duas ilhas.

Uma conversa típica

E - Porra!, nunca acreditas em mim!
A - Não estou a dizer que não acredito em ti.
E - Só não aceitas!
A - Não estou a dizer que não aceito.
E - As coisas são o que são! Já está na altura de nos deixarmos de inocências.
A - Não discordo, só que...
E - Só que o quê?
A - Percebe que eu não sei bem...não estou habituada!
E - A quê? À sinceridade?
A - Talvez...
E - Lamento que te sintas constrangida. Confesso que sempre achei que já tinhas compreendido.
A - Não é o que disseste! É a forma como o disseste.
E -Só disse que adorava aparecer contigo em público!
A - Não foi só isso que disseste.
E - Ouve, é verdade. Não és a mais inteligente das mulheres que conheci mas adorava o teu corpo..
A - E não achas que isso não é razão para ficar chateada?
E - O teu corpo também é uma coisa tua.
A - Pelos vistos, não o suficiente.
E - Não fui eu que te deixei.
A - Não me deixaste outra oportunidade.
E - Nunca acreditaste que eu te amava.
A - Talvez porque tudo o que me deste a entender é que amavas o meu corpo, não eu.
E - Não. Quanto muito o que te disse é que em ti, preferia o teu corpo; é diferente!
A - Vai dar ao mesmo.
E - Não, não vai. O que eu disse foi que o teu corpo foi o que mais me impeliu para ti. E amar em parte é aprender a gostar.
A - Ou gostas ou não. Não adianta simular.
E - E tu, em algum momento chegaste a amar-me?
A - Claro que sim!!
E - Então o que te chateou mais? Amares um bruto, ou aquilo em que te tornaste por amares um?
A - Não é nada disso que eu estou a dizer.
E - Então não sei o que estás a dizer. Ouve, fiquei contigo por algo que era teu.
A - Não é isso que está em causa!
E - Bom, então nesta altura já não faço a mínima ideia do que está em causa.
A - O que está em causa e achares-me uma burra e mesmo assim estares comigo. Dizes-me que sou uma burra, mas que como sou uma burra bonita tu ficas comigo.
E - Onde é que nas minhas palavras estou a dizer que és uma burra?
A - Naquilo que me estás a chamar.
E - Que é?
A - Fútil. E se isso para ti chega, então não és o homem que eu pensava que eras.
E - Só depois de te conhecer posso amar-te pelo que és. Até lá só te posso amar pelo que pareces ser.
A - Mas não saíste dessa fase.
E - Não me deste tempo.
A - Não percebes como me sinto fragilizada ao ouvir-te dizer que o queres de mim é o meu corpo?
E - Não é só o corpo! Quantas vezes tenho de repetir!!? Continuo a gostar dos momentos que passava contigo. Sempre dei importância ao que tu fazias, sempre te observei, sempre te ouvi. Sempre dei importância ao que tu me dizias. Nunca me furtei a conversas.
A - Neste momento já acho que era só para me entreter.
E - Não te entendo: se te digo que não és a mulher mais brilhante que conheço, dizes-me que te estou a chamar de burra. Se eu digo que me apaixonei pelo teu corpo, criticas-me por me satisfazer com pouco. Se vamos continuar a jogar às acusações, acho melhor esta noite ficar por aqui.
A - Queres que eu me vá embora?
E - Não estou a meter-te na rua.
A - Estás só a insinuar que é melhor.
E - Estou a dizer o que sinto.
A - Se queres que te diga, até és capaz de ter razão. Não vale mesmo a pena continuar com esta discussão. Já acabou mesmo tudo entre nós, de vez, não acabou?
E - Queres que te diga o que sinto, ou queres que concorde contigo?
A - Às vezes acho que só queres é dar-me uma razão para te começar a odiar.
E - Às vezes sinto que preferia que isso acontecesse.
A - Eu preferia que nada disto tivesse acontecido.
E - Nem as partes boas?
A - Não; essas sim. As outras é que não.
E - Preferias o quê? Uma vida convencional?
A - Porquê? Parece-te assim tão mal?
E - As coisas tomaram o rumo que tomaram.
A - Porque tu nunca te entregaste, nunca foste capaz de te abrir comigo, de estares à vontade.
E - É portanto, uma incapacidade minha...
A - E não é?
E - Se tu o dizes.
A - Lá estás tu outra vez a ser cínico.
E - Lembras-te de quantos telefonemas teus recebi, a informares-me que estava tudo acabado entre nós, para no dia seguinte voltares a pedir desculpa?
A - Porque tu nunca percebeste que isso só acontecia porque eu te amava. Viver contigo é como viver com um furacão. Guardas as emoções até rebentar. Num momento estava tudo bem, no outro logo a seguir ficavas todo frio e distante.
E - Nunca te queixaste disso.
A - Não tinha de o fazer. É uma coisa suficientemente importante para teres de descobrir por ti mesmo.
E - Querias que eu subentendesse algo que nunca deste a entender.
A - É assim que eu entendo o amor: quando se gosta mesmo, tem-se sempre atenção. E tendo-se atenção, uma pessoa apercebe-se do que a outra quer. Se não fores capaz, então é porque não és a pessoa certa para estar comigo.
E - É. Se calhar não sou.
A - E nem dúvidas tens, sequer?
E - Tu tiveste-as?
A - Sempre gostei de ti. Continuo a gostar.
E - Já sei. Eu é que não correspondi o suficiente.
A - E não.
E - Sabes que podes cortar com o passado, mas que o passado não corta contigo.
A - Eu sei. Mas já me habituei à ideia de seres passado. Tu nunca conseguiste acreditar que eu te amava mesmo.
E - Fizeste muito pouco para mo dar a entender.
A - Bolas! Saí de casa do meu namorado, com quem vivia à 6 anos para ir viver contigo. Não te parece suficientemente expansivo?
E - Agora a esta distância, claro que sim, mas na altura...sempre foste tão frágil.
A - E tu nunca me soubeste proteger.
E - Ao contrário do que possas pensar, sempre tentei proteger-te. Apaixonei-me pela tua fragilidade.
A - Então porque é que nunca o disseste? Porque raio te calavas, não dizias o que querias!? Ainda hoje acho que tens imenso para dar, mas que estás à espera que aconteça sei lá eu o quê.
E - Se calhar ainda tenho receio de assumir alguns desafios.
A - Não entendo é porque numas coisas assumes logo os desafios e noutras desatas a fugir.
E - Fujo daquilo que conheço mal.
A - Tens medo de ti próprio é o que é. E não consegues perceber que é nisso do qual foges que está sentido. E tu foste capaz de fazer coisas tão bem feitas, tantas vezes; tinhas momentos de tal brilhantismo...e eu sempre me senti frustrada por comigo não seres tão dedicado...Cheguei a sentir inveja dos teus amigos; com eles tinhas uma felicidade que nunca consegui que tivesses comigo.
E - Também te pedi pouco.
A - Isso é o que tu pensas. Viver contigo é pedir muito.
E - Só que eu não peço.
A - És uma besta emocional, é o que és.
E - E tu és susceptível.
A - E tu ignoras os sentimentos dos outros, até daqueles que vivem contigo.
E - Sabes lá. Viveste comigo um ano, não a vida toda.
A - Tens medo de gostar das pessoas.
E - Segundo os teus parâmetros.
A - E orgulhaste disso?
E - Tu é que puxaste a conversa. Estou só a responder-te.
A - Estás a desculpar-te de algo?
E - Não vejo que erro possa agora ter cometido para me estar a desculpar.
A - Estás a dizer que eu fui um erro?
E - Estou a dizer precisamente o contrário.
A - Não te arrependes de não ter feito mais?
E - Talvez.
A - O importante é o antes, não o depois.
E - Tu lá sabes...
A - Lá estás tu a oferecer-me vitórias por condescendência.
E - Mais vale estas que nenhumas.
A - És um orgulhoso. E por causa desse ter orgulho é que nunca foste capaz de perceber que eu queria mas estava indecisa. Sabes o que isso significa?
E - Que não querias nem deixavas de querer.
A - Estás a ver!
E - O quê?
A - A forma como tu metes as coisas. Não quero ficar chateada contigo...
E - Não tens de ficar. Não deu. É tudo.
A - Mas eu queria que tivesse dado...
E - Mas não deu.
A - Nunca é estúpido deixares-te levar pelas emoções. É por causa de pensares que o é, é que nunca te permites fazê-lo.
E - Culpas-me por algo que revela que acima de somos de tudo incompatíveis.
A - Aceitarias-me de volta?
E - Não me vou dar a esse prazer.
A - Porquê?
E - Porque sei que não ficas.
A - Se me amasses, não dizias isso.
E - Prefiro recordar-te.
A - Já sou assim tão parte do teu passado?
E - Sabes que eu sempre vivi tudo muito rápido.
A - E para onde pensas agora dirigir essa tua rapidez?
E - Logo se vê. Sabes que eu nunca fui mesmo capaz de me comprometer como uma só coisa.
A - Foste feliz comigo?
E - Que importância pode ter isso agora?
A - Toda.

Numa manhã de nevoeiro

A – Bem!, está cá um nevoeiro!
B - Daqui a pouco aparece o D. Sebastião.
C – Nesse caso é melhor não virarmos as costas.
B – Porque é que dizes isso?
C – Porque o gajo preferiu ir levar de árabes para o deserto do que ficar a comer cortesãs em Lisboa! Com tais prioridades, o que é que te parece que ele era?
B – Visto por esse prisma...
C – Ah pois é meu amigo. Não tarda nada e aparece aí a enrabar-nos aos 3.
B – Nesse caso eu fico para último. Pode ser que lhe passe a vontade depois de vos aviar aos 2.
C – Hum, com 500 anos de espera, acho que não te safas. E tu até és o mais rechonchudinho, és logo o primeiro.
A – Ficas todo assado.
C – Até tens direito a uma maçã na boca, que é para o protocolo.
A – Que no deserto não há porcos.
B – Mas afinal porque é que ele foi para o deserto?
C – Porque sofria de taquicardia.
B- Mas o ar do deserto é péssimo para as taquicardias!
A – Se calhar foi por isso que ficou por lá!
C – Na volta era também masoquista.
B - Também?
C - Para além de paneleiro.
A – Foi um desperdício, é o que foi.
C – Pois claro; onde é que já se viu um homem com tão pouca saúde ir gastar a pouca que lhe resta no deserto?
B – Mas ele era doente?
C – Já te disse! Sofria de taquicardia!
B – Oh.
A – A sério! Foi quase tão mau para a saúde dele como foi para nós a restauração da independência.
B – Para nós?
A – Sim. Já olhaste bem para a Espanha? Não te parece que estávamos bem melhor como espanhóis?
B – Mas a independência é um feito histórico!
C – Também o Nazismo.
B – Não podes comparar.
C – Não comparo. Só acho que quem fez a restauração tinha os amigos errados.
A – Não foi um gajo, foi uma gaja.
C – Não me espanta! O último também só fez borrada!
B – Qual último?
C – O paneleiro!
B – O D. Sebastião?
C – Sim! Foi ele que perdeu a independência!
A – Pois. O paneleiro.
B – Mas porque é que vocês dizem que ele era paneleiro?
C – Não se casou, pois não?
B – Também era novo!
C – Mais uma razão para ficar cá a comer gajas ao invés de mouros montados.
A – Aliás, foi o facto deles estarem montados que o atraiu para lá!
C – E tu ainda duvidas que ele era paneleiro?
B – Parece-me que vocês estão a exagerar.
A – Quer dizer; tivémos um rei.
C – Sim, mas ela é que usava as calças, que ele andava de saias.
A- Mas eu acho que esse não era paneleiro.
C – Andava de saias?
A – Andavam todos de saias.
B – Porquê? Não havia alfaiates?
C – Claro que havia! Caso contrário quem é que faria as saias?
A – Ó miúdo; era uma questão de moda!
B – Não havia calças?
A – Sim. Mas eram tipo collants.
C – Também era uma coisa assim meio bicha.
B – Mas andavam todos de saias?
A – Não. Alguns andavam de collants.
B – Mas devia haver calças sem serem collants, não?
A – Sim. A plebe andava com calças. Mas era sarrapilheira. Era péssimo. Dava cabo dos tomates.
C – Se calhar é por causa disso que os tomates são enrugados!
A – Isso não faz sentido nenhum. A sarrapilheira não faz rugas na pele!
C – Bom, mas nesse caso deviam ser bem rijos, para resistir à fricção!
B – Isso não devia dar jeito nenhum na cama; vocês já imaginam os colhões duros a bater em cheio?
A – Nessa altura as gajas também eram rijas!
C – Era tipo castanholas.
A – Os filmes porno passavam a vender as bandas sonoras.
B – Sexo não é uma orquestra.
C – Bem, mas eu quando me venho até canto!
B – Daqui a pouco estão a transformar a música em pornografia.
C – Já faltou mais! Já viste os telediscos? Há filmes porno com gajas mais vestidas.
B – Quer dizer: a música está lá só para acompanhar as gajas a despirem-se!
A – E nem sequer é preciso um poste!
C – Seja como for, isso é que seria uma diferença.
B – Olha, vem lá a nossa boleia.
A – Já não era sem tempo. Estou gelado. Daqui a pouco quem está a bater castanholas sou eu, mas com os dentes.
C – Pena que não seja como dantes; se fosse, a esta hora, estavas a ter um orgasmo.

"Little Lion Man", by Mumford and Sons



Weep for yourself, my man,
you'll never be what is in your heart
weep little lion man,
you're not as brave as you were at the start
rate yourself and rape yourself,
take all the courage you have left
wasted on fixing all the problems that you made in your own head

but it was not your fault but mine
and it was your heart on the line
i really fucked it up this time
didn't I, my dear?

tremble for yourself, my man,
you know that you have seen this all before
tremble little lion man,
you'll never settle any of your score
your grace is wasted in your face,
your boldness stands alone among the wreck
learn from your mother or else spend your days biting your own neck

but it was not your fault but mine
and it was your heart on the line
i really fucked it up this time
didn't I, my dear?

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Prefiro a Inquietude

Detesto sentir-me entediado. Preciso de estimulo constante na minha vida.
Preciso de sentir, de mudar, de corer, de arriscar; preciso de dar, de receber, de experimentar; preciso de partilha, de cumplicidade, de vontade e quando isso não existe, perco o interesse.

Por norma, sou mau jogador. Digo o que sinto e expresso o que quero, perdendo o efeito surpresa ou a ansiedade da incerteza, mas na verdade acho isso uma fraqueza, que as pessoas tendem a camuflar, interpretando a sua insegurança com razões bem menos depreciativas.

Mas eu sou assim, um mau jogador, porque sei o que quero e não tenho medo de o assumir, uma vez que estou cansado de vidinhas estáveis, sob efeito do auto controlo, da comodidade e da protecção. Vidas assim, não desafiam ordens e por isso não assustam nem inquietam. Mas para mim, que preciso de me sentir vivo e preenchido, isso não passa de uma forma de prolongar o tédio que tanto me apoquenta.

O que promove a vida é o contacto, a partilha e a aproximação. Quando isso não existe, é como se a vida nos passasse ao lado enquanto fazemos grandiosos planos sobre como vivê-la. E eu não estou para isso. Prefiro a inquietude.

A minha última criação - Robinson Crusoe - Texto 3 do Angst

Robinson Crusoe é mais que um náufrago. É um aventureiro, que ao longo dos episódios que constituem a sua história, repete continuamente o mesmo pecado: o de não se satisfazer com a sua posição modesta e burguesa.
Ao invés disso, ele parte à conquista de mais, quase morrendo afogado, sendo feito escravo, até conseguir finalmente o sucesso, na forma de uma quinta brasileira.

No entanto, este sucesso revela-se insuficiente e a sua inquietude misturada com o desejo de mais, fá-lo partir de novo à procura de mais, sacrificando o que conseguira, acabando por fim na ilha, naufragado e só.

Uma vez lá, entregue ás suas considerações, entende o seu destino com um castigo pela sua rebelião contra a ordem. Influenciado pelo puritanismo burguês, ele entrega-se à auto análise, reproduzindo aos poucos a história da humanidade.

Primeiro o domínio do homem sobre a natureza, da agricultura à pecuária, inaugurando a instrumentalização em prol da auto conservação, conforme fez a sociedade burguesa da revolução industrial. Passa a administrar o seu tempo, entregando-se ao trabalho, de acordo com um processo: observação da sua vida, desenvolvimento de um método e criação de uma estabilidade.

O resultado final, reproduz o estado actual da civilização, quase uma inevitabilidade perante a natureza do modelo burguês: a solidão social, o autocontrolo, a organização metódica da sua vida, a independência e a inventividade técnica, destinada a reproduzir um estado de coisas, não satisfatório, mas estável, longe das atribulações de quem provoca a ordem.

A minha última criação - Universo - Texto 2 do Angst

Desde tempos imemoriais que o sol e a lua falam aos Homens. Os nossos antepassados olharam para o espaço e procuraram nele explicações para a vida, a morte e a imortalidade.

O Universo é para nós, tudo o que existe. O espaço tempo, a matéria, a energia, as interacções, as leis que as regem e o modo como tudo é criado, destruído e alterado.

À luz do seu conhecimento, criaram-se mitologias para a criação. O universo nascera de um ovo, do acto criador de um Deus, da união entre um homem e uma mulher, ou mais simplesmente, emanado de princípios fundamentais e matérias caóticas.
Hoje, quando olhamos, sabemos que o sol é uma estrela, a nossa, orbitado por 8 planetas e outros milhares de corpos, que está a 150.000.000kms da terra, levando a sua luz, 8 minutos a atingir o nosso mundo.

Com o tempo aprendemos também que o universo tem entre 13 e 20 biliões de anos. Está cheio de galáxias, cada uma das quais com milhões e milhões de estrelas, rodeados de triliões de corpos, planetas e satélites, formados a partir da condensação da matéria em nuvens de gás e poeira, que se mantém no seu lugar, por acção da gravidade, das Forças Nucleares Forte e Fraca e do electromagnetismo, forças essas que parecem reger todas as interacções fundamentais das partículas.

Aprendemos que os átomos, que um dia pensámos serem a base do universo, são na verdade compostos por protões, electrões e neutrões, que por seu lado, são compostos por fermiões; partículas elementares que se dividem em quarks e leptões; que por ser lado se relacionam com bosões, outra das partículas elementares, cuja interacção torna possível a matéria. Mas muito deste conhecimento é teórico, produto da matemática, mais do que da observação factual. É conhecimento inferido, como é o caso da matéria negra, que compõe 23% do universo, mas que não é visível, apenas inferida, como fundamental para explicar o comportamento dos corpos.

Na verdade o universo é muito maior do que aquilo que conseguimos observar.
Inventámos para tal um termo: o universo visível.
Mas mesmo neste caso, o ser visível, não o torna conhecível. Grande parte deste, nunca irá interagir connosco. Mesmo que existisse eternamente, a possibilidade da sua expansão ser feita a uma velocidade superior à da luz, tornará sempre partes do universo fora do nosso alcance.

O nosso desconhecimento parece não ter fim e pior que isso, parece inultrapassável na sua totalidade. Que certeza pudemos ter que o que existe, existiu e existirá, é a única coisa que há, houve ou haverá?
Que nos garante que não haverão outros universos, desligados do nosso, geridos por outras constantes físicas e como tal, impossíveis de detectar?
Segundo a quântica, a probabilidade do resultado de uma experiência feita a partir de um estado inicial perfeitamente definido, é determinada pela soma de todos os caminhos possíveis, para o qual o resultado evolui até ao estado final. Por outras palavras, só um resultado é possível. Assim sendo, até o que não existe, pode influenciar o que existe.

Perante isto, mesmo o que sabemos, não diminui a impotência.
A estrela mais próxima da nossa, Próxima Centauri, está a 4,2 anos luz da terra.
A mais brilhante no ceú nocturno, Sírio, a 8,57 anos luz.
A luz viaja a 300.000kms/seg, ou 300.000.000 km/h.
Um avião comercial atinge entre 700 e 900km/h.
Um jacto hipersónico bate Mach 5, mais de 5000km/h.
A Apolo 11, que pousou na lua, atingiu 40.000km/h.
Mesmo a esta velocidade demoraria cerca de 7.500 anos atingir a estrela mais próxima.
Nem a dilatação do tempo, conforme descrita na Teoria da Relatividade, nos deixa menos isolados.

Pelo contrário, parece revelar a nossa insignificância cósmica. Seja o tempo encarado como uma dimensão absoluta à imagem de Newton, ou de uma estrutura intelectual usada para sequenciar eventos, a verdade é que o tempo é o que separa causa de efeito.

A causa, é a nossa realidade. A possibilidade de vida noutros mundos, não diminui a certeza que devido à nossa actual incapacidade, o efeito desta realidade, é o de estarmos irremediavelmente sós no universo.


Próxima Centauri - 4,2 anos luz
Luz = 300.000.000 km/h
Num dia = 7.200.000.000 km
Num ano = 2.628.000.000.000 km
4 Anos = 10.512.000.000.000 km

Apolo 11 = 40.000km/h
Num dia = 960.000 km
Num ano = 350.400.000 km
4 Anos = 1.401.600.000 km

10.512.000.000.000 / 1.401.600.000 = 7.500 anos

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A minha última criação - Dom Quixote - Texto 1 do Angst

Dom Quixote era um aristocrata espanhol, que acreditando nos romances de cavalaria que lê compulsivamente, decide tornar-se cavaleiro andante, convencido da veracidade histórica dos mesmos. Para tal, arma-se cavaleiro, arranje um fiel escudeiro, elege uma feia camponesa a bela donzela e parte pelo mundo, vivendo o seu próprio romance de cavalaria.

O livro é uma parodia aos romances de cavalaria, mas também uma Sátira dos preceitos literários que regem aquelas histórias. A luta por valores como o amor, a paz e a justiça, numa fantasia desmentida pela própria realidade. Se por um lado representa a liberdade máxima, por outro encerra-a dentro de estreitos limites.

O que se torna dramático e pungente na personagem de Dom Quixote, é a expressão amarga da impossibilidade de dar vida a um ideal. Toda a história é um conflito entre estas duas forças, a tentativa de uma personagem de viver um período áureo de um vida que já não existe, preenchendo espaços vazios com palavras que simbolizam algo do qual se sente falta, refém da verdade que a necessidade não é garantia de existência.

É o fim de um mundo, de um tempo, eternizado na acção de alguém que se recusa a deixá-lo morrer, tornando-se motivo de chacota. É a tristeza da desilusão, o fim de um sonho sem progresso, que termina na decepção e na dor. Mas mesmo antecipando o fracasso ou pelo menos confrontado com ele, Dom Quixote persegue na sua própria tenacidade, numa espécie de louvor de uma moral de fracasso, repleto de objectivos vagos e irrealizáveis.

A seu jeito, Dom Quixote representa o fim da nobreza de coração e da plenitude da vontade, valores que dominaram toda a idade média. Ao marcar o fim de um tempo, ele marca inevitavelmente, o início de uma outra época, uma modernidade apresentada através da falência da antiguidade que veio substituir.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sabes o que é triste?

É que tu és uma daquelas pessoas que parecem demasiado tímidas, para se sentirem à vontade onde quer que seja.

Pessoas assim tendem a guardar para si o que de mais precioso têm, com medo do que a isso possa acontecer, uma vez exposto.

O que me deixa triste é saber que nunca irei viver isso contigo, porque entre nós dificilmente existirá a abertura necessária a uma relação que torne isso possível.

No rescaldo dos 31 anos

Tudo o que posso saber sobre a vida é uma expectativa, uma potencialidade, cheia de desejo e medo, que só adquire realidade no que acontece mais tarde.
A vontade de substituir a solidão pela coexistência é incumprível.
Quando desaparece a solidão, a coexistência vai com ela, pois o que a solidão busca na coexistência é a definição do futuro, despojando de mistério a da esperança de ser pleno e completo.
Quando se sofre, prometemos a nós mesmos, que não vamos voltar a passar pelo mesmo. Que não se vai amar mais. Que não se vai voltar a criar expectativas. Que não se vai voltar a sofrer.

A necessidade de escolha não tem receitas infalíveis. Tentamos agir bem sem garantias de resultado. É uma certeza interminável. Uma decisão solitária, que torna fundamental a ideia de perdão, porque essa é a única hipótese que há para diminuir a presença do abismo sobre o qual não pode ser lançada mais do que uma instável ponte. E como tudo é incontrolável e imprevisível, a felicidade não pode deixar de ser infundada. Constrói-se a si mesmo, Diariamente. Deixa por conta do indivíduo que age, a tarefa de descobrir e aplicar o princípio que se adeqúe às circunstâncias. Somos forçados a enfrentar a nossa autonomia.

Crescer é aprender a viver com o caos. Crescer é aprender a viver no equilíbrio entre a necessidade de conforto e a necessidade de excitação. Uma ameaça constante que há em aceitar que só há as estradas que fazemos, que se fazem, ao caminharmos por elas. Não há verdade maior que sossegue os anseios e premonições, algo que garanta o afastamento do erro. Estamos abandonados à nossa própria inteligência e vontade.

Andei a mascarar uma realidade de uma ordem humana incapaz de suportar o só poder contar com os seus meios para justificar os limites da sua existência. Uma dependência em relação a coisas e processos que não posso produzir, controlar ou prever.

Foi um erro que por preguiça, medo ou conforto, tenha deixado de acreditar no futuro. Existir é como viver rumo a algo. A diferença está entre o predito e o efectivo. Pensar no que está para vir torna a vida um acto de superação. Mantém viva a esperança de plenitude, mantendo a vida em aberto, incompleta.

Arrumações

Passei o dia em arrumações. Acabei a deitar fora grande parte das coisas que trouxe da outra casa, algumas das quais, nem de dentro dos caixotes saíram. Esvaziei uma divisão à custa de postais antigos, telemóveis avariados e aparelhos descarregados. Deitei fora a ampulheta cor-de-rosa que nunca me serviu para nada, bem como o cabide de madeira que me foi dado por um amigo italiano, que nunca deitava nada fora por considerá-lo um acto de desrespeito para com o seu passado. Encontrei dezenas de bilhetes de cinema de filmes dos quais já nem do enredo me lembro, quanto mais da ocasião que me levou a guardá-los.

É sempre curioso descobrir conforto como adulto, em algo que nos perturbava enquanto crianças, como a mim me perturbava desfazer-me das coisas. Existe algo profundamente libertador no acto de fazer escolhas e deitar fora.

Aprendi isso com a idade. Ou então cansei-me de andar a correr. Despertei para a privacidade das coisas belas, no que nelas há para apreciar. Deixei-me seduzir pela comodidade do que já conheço, tanto como aceitei o desejo de coisas, que nunca quisera assumir, por medo de perder o que tinha ou de ganhar algo para o qual me sentia preparado. E com essa coragem, encontrei um mundo novo, cheio de palavras, das minhas, dos outros, como se apenas longe da rotina, fosse possível escutar o mundo.
Um novo mundo onde as coisas, ao contrário de se sucederem, evoluem. Acredito que isso seja mais difícil de enfrentar, quando ainda não se fez o suficiente para deixar de acreditar, que o que nos vai definir, ainda está por vir.

Hoje estou familiarizado com termos como determinismo biológico, condicionalismo da educação, ou força das circunstâncias, que tornam certas coisas, não predestináveis, mas praticamente impossíveis de evitar ou modificar. Grande parte do que aprendi até hoje, foi em deixar no passado os momentos da vida que nele acabaram. Evoluí na minha maturidade quando aceitei que existe um limite a partir do qual, deixam de existir razões para justificar as coisas que nos vão acontecendo. Pode-se dizer que não se fará um gesto enquanto não se entender o que levou coisas importantes e sólidas na nossa vida, serem reduzidas a pó, mas depois de o ter feito, o que retirei da experiência, foi um desgaste estéril.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

domingo, 18 de outubro de 2009

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Naõ tinha nada para fazer



Os desenhos não são meus.
Só a sonorização.

Episódio 22

Faz hoje 5 anos que um camião descontrolado colheu o carro do meu pai. Chovia torrencialmente, um pneu rebentou, o condutor perdeu o controlo na derrapagem, tombando e arrastando o carro para a valeta, com os meus pais lá dentro.
Foi um acidente trágico. Não só pela forma como aconteceu, mas principalmente pelo momento em que se deu. Nos últimos meses de vida, eles tinham-se reaproximado. O meu pai deixara a mulher com que vivera e motivado sei lá eu porque vontade, quis voltar para a minha mãe. A última vez que tive com ele, ao jantar, confessou-me que precisara de passar por tudo o que passara, para perceber que a minha mãe fora, como ainda era, a mulher da vida dele. Ela mostrou-se mais renitente. Estabeleceu um dia da semana para estarem juntos, mas não o deixou voltar para a casa e a sua cama, disse-me, estava interdita. Suponho que nunca lhe perdoou a traição e os anos passados não foram suficientes, para voltar a recuperar a confiança nele.
O que não a impediu de redescobrir naquela reaproximação, uma alegria que não me recordo ter visto noutros tempos. A dor que se afasta nem sempre leva consigo o amor e na que fica, algo deste permanece. Como me disse a minha mãe, redescobriram a amizade, o que para dois adultos de 50 anos é um achado notável, como frisou o meu pai, confirmando-me a reciprocidade do sentimento. Não era eu que iria separar aquilo que a vida tornara a juntar. Enterrei-os na mesma campa.
A decisão revelou-se polémica. A minha avó brasileira opôs-se, “porque o homem que abandona a mulher em vida, não merece o descanso eterno ao lado dela”. Já a minha outra avó, a paterna, discordou pela boca do filho, meu tio, que me informou que “com todo o dinheiro que o teu pai te deixou, é uma falta de respeito nem sequer lhe construíres uma campa”. Ao meu tio, pelos ouvidos da minha avó, respondi que era uma questão de simbologia emocional e não de ostentação material. À minha avó materna expliquei que o divórcio legal, não fora sinónimo de separação afectiva. Embora esclarecidos, nenhum ficou satisfeito. O que não me afectou. Nenhum deles lá estava, quando a decisão foi tomada. Nem tão pouco, quando a notícia foi recebida.
Estava sozinho em casa. Tinha chegado do trabalho havia pouco, quando o telefone tocou. Fui a correr para o hospital, para ouvir da boca do médico, o que ele tivera pudor de dizer ao telefone.
- Não havia nada a fazer, disse pesaroso. Morreram no impacto, acrescentou, como se a rapidez fosse um paliativo consolador. Do que se seguiu, confesso, não me recordo com exactidão.

Um amigo meu psicólogo explicou-me uma vez, que há certos acontecimentos tão traumáticos para o ser, que a consciência os relega para um esquecimento forçado, para proteger a integridade do organismo. Descrições técnicas à parte, lembro-me que não chorei uma única lágrima, mais pelo espanto, que pela ausência de razões. Poucas foram as vezes na vida em que me senti tão impotente. O Pedro veio ter comigo ao hospital e levou-me para asa dele. O dia seguinte, passei-o em casa da Marta, que se ofereceu para tratar da burocracia da morte. Ao terceiro dia, como está nas Escrituras, fez-se o enterro. Sem ressurreição, que o privilégio não é extensível a profetas não sancionados.
Ficaram enterrados no topo de uma colina verde, ao lado de outras campas geometricamente dispostas como um tapete, que deslizava colina abaixo. A afluência foi grande. O amigo do meu pai entretanto tornado Secretário de Estado, trouxe consigo um bispo, que elaborou um discurso fúnebre solene, que terminou com a frase que mandei gravar na lápide, que só ficou pronta, uns dias depois.
“O que a vida separou, a morte uniu”.
Mais uma escolha pouco popular. A minha avó achou de mau gosto. O meu avô de inaudito. O meu tio, na sua inabilidade criativa, repetiu a acusação. Era uma falta de respeito. Era um acto irónico, de humor negro, uma desconsideração pela alma dos dois mortos, como me fez saber a minha outra avó. De novo, ignorei os protestos. Isso e o facto de todos terem chorado muito, ao contrario de mim, o que me valeu nova admoestação, desta vez de uma velha que mal conhecia e se dizia tia da minha mãe. Fosse. A verdade é que os protestos desapareceram nesse mesmo dia, e com eles, os seus protagonistas, pois à excepção do feito no meu dia de anos, nem um telefone mais recebi, quanto mais visitas a casa. No cemitério, também não os vi por lá e a esse foi com alguma frequência, principalmente nos meses que se seguiram ao enterro. Existe naquele cemitério, uma paz despojada que se torna bastante tranquilizadora. Talvez tenha sido isso que me atrai lá. Isso, ou o processo de luto inacabado, pela ausência de choro, que só acabou por chegar um mês depois. Mas mais que por eles, chorei por mim.

Não sei se existe alguma forma de nos prepararmos para um facto irreversível. Sei que aquela morte despertou em mim uma sensação de tempo perdido, como se todo o tempo passado fora daquilo que queria, fosse um desperdício. Contra a morte, só a criação triunfa e apenas temporariamente. Custa-me pensar que entre eles, os meus pais, esse triunfo tenha sido tão precário. No final, o que restou foi a herança silenciosa da minha educação.
O universo dos meus pais foi o da supremacia do sentimento, contido pela razão e adaptado à educação. Não é de estranhar, pois embora possa parecer um resquício de romantismo tardio, a verdade é que época e o mundo em que se apaixonaram, estava cheio de convenções rigorosas e compromissos inquebráveis, pelo que a ideia era revolucionária: implicava um destino grandioso para o amor, o de superar todas as proibições para se realizar plenamente. O que disso para mim passou, não foi mais que uma cicatriz, um eco de uma fé não cínica, crente numa promessa inocente de amor.
Quando cresci, já essa promessa estava desactualizada, uma vez que as proibições tinham perdido o seu sentido, à luz do individualismo racional, que cobriu de ridículo as expressões sentimentais. Já ninguém acredita num amor puro, nem valoriza o acto altruísta de dar sem receber. A necessidade urgente de nos esvaziarmos dos factos negativos da vida, tirou qualquer sentido ao acto de sofrer. Mas como este não desapareceu, nem a necessidade de afecto, carinho e apreço, o que se gerou foi uma epidemia de depressões, que ao invés de funcionarem como alerta perante a impossibilidade de negar essa componente tão essencial da nossa existência, sufocaram a fragilidade sob o manto imperativo do optimismo. E eu, sujeito à pressão dos pares, enraizei o meu legado romântico numa reminiscência inconsciente. A reminiscência do livre afecto, da dependência emocional, da crença em algo ou em alguém, que jamais nos deixará abandonados à nossa solidão. A natureza deu-nos o poder e o direito de amar e ser amado como um fim e não como um meio. Acho que foi desse direito que quis abdicar, quando eles me morreram.
O problema é que o fim da possibilidade não apagou em mim o desejo de ser importante, mesmo sabendo-o improvável. Deixar de acreditar no conforto insuperável de se sentir amado e desejado, é o mesmo que evitar sentir, só para fugir à hipótese da dor. Fazê-lo, para mim, não é significou o fim da necessidade de procurar conforto perante as minhas vulnerabilidades. Apenas suscitou em mim a proibição de o fazer, em favor de uma hipotética preservação. O que na verdade, não resultou muito bem.
Disse muitas vezes a mim próprio que não devia depender de ninguém, que cada um deve seguir o seu próprio caminho, não fosse isto soar a uma mágoa que não queria sentir, a uma vingança que não fazia sentido perpetrar, a uma ruptura destinada apenas a chamar a atenção. Disse muitas vezes a mim próprio que devia ser lúcido para ver alem da cegueira da emoção, mas na verdade, tornei-me escravo dela, como se calhar sempre fui, preso num organismo que não está preparado para viver em estados neutros, pelo que o medo de dar sem receber, que me levou a procurar espaços do qual mais ninguém fazia parte. A consequência, foi ver-me a esquecer algo sem o qual deixava de fazer sentido viver. Tudo, para poder continuar a fazê-lo. Senti-me perdido. É certo que todos temos de aprender a viver sem algo que queremos, mas a privação do objecto, não nos liberta da fraqueza de, no nosso íntimo, nos sabermos totalmente vulneráveis, tanto à sua ausência, como à sua presença.
A solidão, foi a única resposta possível. A impotência de um sentimento digno, perante um problema maior. A aceitação da dor como da iminência da morte. O fim, repleto de isolamento, como um ser invisível que sofre em abstracto, desesperado perante uma luta que sabe não poder vencer.
Vi muitas vezes essa impotência no rosto dos velhos, nos gestos de quem se abraça, dela, a espreguiçar-se solta, livre, esticada na praia, na cama, no sofá. Vi-a na preocupação que se manifesta no carinho. Na despedida. Na certeza que há gestos e palavras que serão os últimos. Na incerteza dos acontecimentos terríveis e autênticos, no descontrolo dos momentos fantásticos e inesquecíveis. Ouvi-a, nas palavras segredadas em cumplicidade de ouvido, na celebração de um reencontro, no olhar por detrás das cortinas, na exposição de uma declaração, na manifestação de uma vontade profunda, honesta, irredutível, na beleza que se mostra, nas coisas simples que se vão vivendo.
Custou-me ficar sem essas coisas, sem as tais que transformaram a minha vida em algo mais que simples factos sucedâneos. Essas coisas, as tais, que não existiam sem haver coragem para assumir a impotência. A dignidade ferida de quem enfrenta só, de rosto descoberto, a revelação daquilo que se é. Uma revelação cuja força para assumir, perdi com o desaparecimento dos dois únicos seres que me tinham feito acreditar na possibilidade de ser forte na revelação da minha fraqueza. Foi tudo isso que me fez sentir tanto a falta deles. Foi isso, mais que qualquer outra coisa, que me levou às lágrimas.
Por isso chorei. Finalmente. Sozinho. Em casa.
A vida tem o dom de nos destruir emocionalmente. Esforçamo-nos por encarar com positivismo construtivo as incidências da mesma, dizendo que crescemos, ganhamos maturidade, perdemos as ilusões.
Mas na verdade, tudo não passa de uma destruição gradual e compulsiva.
A contradição, deixou-me vulnerável à minha condição.
Sem outra solução, demiti-me.

A minha última criação

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Im not at Home", by Peter Broderick



O maravilhoso Peter Broderick ao vivo na Holanda.

«Transcrito do The London Times»

No exterior do England 's Bristol Zoo existe um parque de estacionamento para 150 carros e 8 autocarros. Durante 25 anos, a cobrança do estacionamento foi efectuada por um muito simpático cobrador.
As taxas eram o correspondente a 1.40 ¤ para carros e 7.00 ¤ para os autocarros.
Um dia, após 25 sólidos anos de nenhuma falta ao trabalho, o cobrador simplesmente não apareceu.
A administração do Zoo, então, ligou para a Câmara Municipal e solicitou que enviassem um outro cobrador. A Câmara fez uma pequena pesquisa e respondeu que o estacionamento do Zoo era da responsabilidade do próprio Zoo, não dela. A administração do Zoo respondeu que o cobrador era um empregado da Câmara. A Câmara, por sua vez, respondeu que o cobrador do estacionamento jamais fizera parte dos seus quadros e que nunca lhe tinha pago ordenado.

Enquanto isso, descansando na sua bela residência nalgum lugar da costa da Espanha (ou algo parecido), existe um homem que, aparentemente, instalou a máquina de cobrança por sua conta e então, simplesmente começou a aparecer, todos os dias, cobrando e guardando as taxas de estacionamento, estimadas em 560 ¤ por dia... durante 25 anos!!! Assumindo que ele trabalhava os 7 dias da semana, arrecadou algo em torno de 7 milhões de Euros.
E ninguém sabe, nem sequer, seu nome ...!!!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Uma foto do casamento

























Eu, a Ana, a Gwen e o Albergaria.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

"We Are ODST", HALO 3 Tv Commercial

Brilhante.

"The Assassination of Jesse James", by Andrew Dominik

O que me comove?

Perguntaram-me ontem o que me comove.

Sem saber o que responder, respondi na mesma.

Comove-me a solidão, acho eu.
A impotência.
A derrota de um homem digno às mãos um problema maior.
O desespero.
A aceitação da dor e a iminência da morte.
O fim, repleto de solidão e isolamento.
Os seres invisíveis que sofrem em abstracto.
Os homens desesperados que lutam por algo mais, mesmo sabendo que jamais irão triunfar.
Um gesto, como o da miúda que apertava os sapatos do irmão, ou o da minha avó a arranjar com cautela a gravata do meu avô, que se deixou engravatar, tanto por hábito como por direito.
O sorriso dela, quando me olhava envergonhada, perante algo que queria, sem saber se devia, dizer.
A forma como se espreguiçava, solta, livre, esticando-se na praia, na cama, no sofá.
Comove-me a preocupação que se manifesta no carinho.
Na despedida.
Na certeza de que há gestos e palavras que serão os últimos.
Comove-me a incerteza. O descontrolo.
Os acontecimento terríveis e autênticos, fantásticos e inesquecíveis.
As palavras segredadas em cumplicidade de ouvido.
O olhar por detrás das cortinas.
A insegurança de uma declaração.
A manifestação de um sentimento, profundo, honesto, irredutível.
E a beleza. A beleza de coisas simples que se vivem apreciando.
Que transformam a vida em algo mais que simples factos sucedâneos.
A fragilidade e a coragem de quem a aceita.
E o fim. A certeza do mesmo.
E a dignidade ferida de quem o enfrenta, só, de rosto descoberto, a revelação daquilo que se é, se sente, se faz, se vive.

Histórias de Vida

Há algo nas histórias que não nos faz bem. Andamos a ouvir histórias fantásticas ou terríveis, desde o início dos tempos, histórias onde acontece sempre algo transformador, que por isso mesmo as torna memoráveis e repetidas por anos e anos.

Mas na realidade, a vida não é como as histórias. As histórias flutuam entre experiências intensas e marcantes, que acabam por melhorar ou piorar a vida de quem a vive, mas nunca, em momento algum, indiferentes.

Só que a vida não é assim. Ele vai avançando com alguns altos e baixos, entre acontecimentos pessoais mas raramente tão terríveis ou tão fantásticos, que mereçam ser contados, repetidos, ouvidos, pelo tempo fora.

É por isso que as pessoas têm tendência a empolar o que lhes acontece e trazer uma grande dose de drama para onde há pouco, procurando e pretendendo viver numa realidade maior do que aquela que na verdade têm.

É por isso que as histórias, se calhar, não nos fazem bem.

"Don't Kiss me Goodbye", by Ultra Orange & Emmanuelle

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A minha última criação

É tudo o que tenho a dizer



"I Will Possess Your Heart", By Death Cab For Cutie

How I wish you could see the potential
The potential of you and me
It's like a book elegantly bound
But in a language you can't read just yet

You got to spend some time, love
You got to spend some time with me
And I know that you'll find love
I will possess your heart

You got to spend some time, love
You got to spend some time with me
And I know that you'll find love
I will possess your heart

There are days when outside your window
I see my reflection as I slowly pass
And I long for this mirrored perspective
When we'll be lovers, lovers at last

You got to spend some time, love
You got to spend some time with me
And I know that you'll find love
I will possess your heart

You got to spend some time, love
You got to spend some time with me
And I know that you'll find love
I will possess your heart

I will possess your heart
I will possess your heart

You reject my advances and desperate pleas
I won't let you let me down so easily
So easily

You got to spend some time, love
You got to spend some time with me
And I know that you'll find love
I will possess your heart

You got to spend some time, love
You got to spend some time with me
And I know that you'll find love
I will possess your heart

You got to spend some time, love
You got to spend some time with me
And I know that you'll find love
I will possess your heart

I will possess your heart
I will possess your heart

Claire Morgan





O Problema, dizem...

O mundo, dizem, está em crise. São os valores, o ambiente, a economia. O problema é o aquecimento global, é a sobrepopulação, é a falta de respeito pelos mais velhos, é o individualismo, é a poluição, a segurança social, o neoliberalismo, o narcisismo, a natureza humana.

Quanto a mim, tudo isto são sintomas de um problema intrínseco, um problema criado ou aproveitado pelo capitalismo e que é tão profundo e natural, quanto a morte a fome, que é a vontade de ter mais, sem razoabilidade na gestão das necessidades, sem ponderação no consumo dos recursos, com o risco de quem desconsidera as consequências que as acções terão nos outros e no próprio, em troca de uma satisfação imediata e total.

Não digo que ter é mau, não critico a posse nem o consumo, nem sequer sei se seria possível que as coisas se tivessem passado de outra forma. Afinal, também prefiro, conforto, segurança, tecnologia e prazer. Gosto de comprar, de consumir, de ter frigorífico e andar de carro. Mas nem por isso deixo de achar uma desresponsabilização, sacrificar o bem de todos, pelo prazer de alguns.

E esta é a fórmula intrínseca que está na origem do problema. A fórmula que toda a gente aceita sem questionar, aprovando tacitamente um sistema que favorece quem tem, eternizando um problema que controla os outros, através da imposição de uma convenção, que para além do mais, está a gerar uma epidemia de depressões, provenientes do princípio de que só tendo e fazendo, será feliz e pleno, pensando apenas em ti, pois quanto mais tiveres, mais vais atrair e no fundo, toda a riqueza e poder serve para sermos aceites ou evitarmos a morte, em vida ou depois dela, ao invés de tentarmos aprender a viver com as nossas limitações e aceitarmos que o que nos fragiliza é também aquilo que nos faz humanos, com todos os defeitos, mas também, todas as potencialidades.

Podem vir dizer-me que este problema não é de agora e que é tão antigo, quanto a humanidade. Até pode ser, mas isso não invalida que o problema exista e cause o que está a causar. Quanto a isso ser a natureza humana, concordo que faz parte dela. Mas também a generosidade, o altruísmo e a partilha fazem.

"The Rat", by The Walkmen

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

MODERNA RELACAO AFETIVA - por Flavio Gikovate

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milênio. As relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.

O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e o prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste início de século.

O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.
Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas características, para se amalgamar ao projeto masculino.

A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma idéia prática de
sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.

A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de jornada.

O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou.

Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa à aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para
viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva. A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afetivas são óptimas, são
muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem.

Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado.

Cada cérebro é único. Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi
inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal.
Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais
compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.

O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo...

"A pior solidão é aquela que se sente quando acompanhado."

Flávio Gikovate,
médico psicoterapeuta.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A solidão, sei-o hoje, é irremediável.

Foi preciso passar por tudo isto para compreender que as relações não servem para nos proteger das nossas fraquezas, nem para nos libertarem da ilusão que temos de nos salvar da solidão. No fundo, estamos irremediavelmente sós, condenados a viver uma condição total, como uma situação passageira.

Não sei se já aprendi a aceitá-la como parte do integrante do que sou, mas sei que luto diariamente por deixar de a ver como uma dor à qual preciso escapar. Se amar é dar sem pedir e partilhar sem expectativa de receber, então não sei se alguma vez amei, porque toda a vida usei das relações para compensar o que julgava me faltar, exigindo atenção e tornando-me dependente de outro, concentrado que estava em tirar para preencher, ao invés de viver, acabando a suportar relações vazias, apenas pelo medo de estar só, gravitando à volta desta dependência, convencido que a felicidade me esperava do outro lado, do lado onde havia outro, do lado, onde não estava só.

A solidão, sei-o hoje, é irremediável.
Depender dos outros para a minha satisfação emocional, é a minha maior carência e a causa que me levou a projectar nelas, nas relações, as minhas inseguranças, transformando-as em experiências sofridas de perda e ruptura.
A solidão, sei-o hoje, é irremediável.
Não sei se é possível viver as relações como o encontro entre dois seres conscientes da sua condição individual, que se juntam para partilhar, mais que para exigir.
Ninguém nos pode libertar de um isolamento que não se pode atravessar.
Ninguém pode ser libertado de algo que não é uma prisão.
Dele, não há salvação, porque é um destino irrevogável, não uma etapa circunstancial.
E ao destino, há apenas a possibilidade de o enfrentar aceitando.

Perguntam-me porque me isolo, me isolei, porque deixei de dar, de procurar, de me mostrar.
Desconheço se é possível a auto-satisfação emocional. Mas toda a gente morre só, por muito acompanhado que se tenha estado. Não se pense que estou com isto a a antecipar a morte. Não. Estou apenas a tentar aprender a viver com algo, que é tão irredutível quanto esta.

O que tenho para dar, é aquilo que sou. E o que sou é a minha riqueza. Desisti de tentar mostrá-la, exibi-la, seduzi-la, a partir do momento em que aceitei que a única forma de não me sentir só, é aprender a deixar de procurar nos outros, a cura para essa dor.
O que é inevitável, pouco mais deixa a fazer que não aceitar.

Se calhar a vida não passa de um conjunto de acontecimentos sem simbologia, que por apenas existirem por si sós, retiram todo o sentido ao acto de sofrer. Desconfio que só nos momentos de dor e fraqueza, é que reconheço o humano que há no outro. Desisti de fugir da dor, no dia em que o compreendi que isso só me afastava daquilo que a ela me unia.

A solidão, sei-o hoje, é irremediável.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Encontrei uma coisa antiga

“Nenhum homem pode ser responsabilizado pelo seu azar, apenas pela forma como lida com ele. Desse acto mecanicista emergem memorias de uma vida cheia de momentos que parece não terem existido, por nada ou pouco mais que palavras terem acontecido. para alem do ser transferível e exterior, vivo numa dimensão invisível, habitada por um ser interior, que carrega de emoção pequenos instantes, que acabam por ditar o que sou”.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Depois o Partido Chumbou

E eu demiti-me da minha função na Campanha.

O acordado com o Candidato era que eu não participaria em acções partidárias, nem escreveria discursos doutrinários, de uma ideologia anacrónica e atávica.

A princípio o candidato concordou.
Mas depois achou que a estratégia desenvolvida por mim não se adequava ao Partido.

Respondi que não estava interessado nem sabia doutrinar pessoas numa ideologia na qual não acredito.

Demiti-me antes que me afastassem.

E depois estranham que os resultados sejam sempre os mesmos, quando mantém os métodos e os discursos de um tempo que já lá vai à mais de 20 anos.

Primeiro, escrevi isto

Manifesto de Candidatura à Junta de Freguesia dos Anjos

Todos nós somos a democracia. A nossa voz não pode ser abafada pelos interesses de certos grupos económicos e de pressão.
Esta é a minha primeira campanha: vou até vós sem os vícios políticos daqueles que servem os interesses instalados.

Sou um cidadão que tem as vossas necessidades e que as sente na pele. Habito na mesma freguesia que vocês; os meus filhos frequentam as mesmas escolas que os vossos; compro nas mesmas lojas que vocês; conheço as mesmas pessoas.
Como cidadão acredito que as ideias não morreram, que é possível discutir diferenças sem impedir consensos, que é essencial motivar as pessoas a enfrentar e superar os desafios do nosso bairro. Há escolhas essenciais a ser feitas. Acredito que é possível mudar.

Essas escolhas devem ser tomadas com o auxílio e a palavra de todos.
Porque acredito nisso, quero convidá-lo a juntar a sua voz à minha.
Vá a www.mmmmmmm.pt ou preencha o nosso inquérito, indicando quais são, para si, os principais problemas do nosso bairro.

A sua opinião é importante, para que todos juntos possamos apurar quais os verdadeiros problemas. Só conhecendo-os é possível encontrar soluções eficazes, que melhorem efectivamente a vida de todos.

Em tempos houve o sonho da política estar ao serviço das pessoas.
Todos juntos, podemos recuperar esse sonho. Ajude-me a ajudá-lo!

Casa Nova








sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Conversa de Café

- Pois, disse eu.
- É inteligente, respondeu-me a minha amiga.
- Nós aproximámo-nos muito em muito pouco tempo. E o tipo de intimidade que comecei a criar com ELA está para lá da simples amiga. Quando percebi que ela não tinha o mesmo entendimento, resolvi afastar-me. Proteger-me a mim antes de me envolver e apaixonar. Protege-la a ela, que tem as suas próprias circunstâncias. E proteger a amizade antes que algum desentendimento ou incompatibilidade a comprometa."

Hoje, a minha amiga, enviou-me a Mensagem do Dia.

Frase do Dia

Saber afastar-se e aproximar-se é a chave de qualquer relação que dure.


Doménico Cieri