"Bem Vindo ao Mundo dos Homenzinhos"
1.
“ Tinha 21 anos a primeira vez que dormi com aquela mulher...ah!ah!ah!... Não tinha nada; estava a gozar! Ah! Ah!. Li isto em qualquer lado e achei piada! E como responsável pela recepção aos novos, achei que ficaria bem. Para vocês, sou o primeiro rosto do sistema. E o sistema satisfaz todas as vossas necessidades!”
Um dedo no ar.
“Sim?”
“Isso quer dizer que se não estiver coberta pelo sistema, a necessidade não existe?”
“Deixe-se de perguntas parvas. Você não está aqui para fazer perguntas, mas sim para trabalhar. Interrompeu-me. Agradecia que não voltasse a fazer isso. Perdi-me. Está a ver! E agora? Tu aí, ajuda-me. Que estava eu a dizer? Ah, sim, já me recordo. Estava a dizer-vos que, dado esta situação ser nova, mandam um tipo simpático, eu, para vos receber! E agora, para não perdermos mais tempo, façam o favor de se dirigirem aos respectivos balcões, a fim de procedermos ao registo. Sejam bem vindos ao mundo dos homenzinhos!”.
2.
Não sou imigrante. Juro que não, embora possa parecer. Para se ser imigrante, é preciso ter-se algum ponto de partida, e este é o meu ponto de partido. Ainda não percebi bem o que sou. Neste momento sinto-me como se tivesse sido expulso do paraíso pelo Adão, depois de ter andado a tentar comer a Eva. Mas não fui. Nem sequer conheço nenhuma Eva. Para falar verdade, olhando à volta, não vejo nenhuma com a delicadeza que imagino, que a Eva devia ter...
“Siga, siga, não empate o caminho. É a andar para a sua secção!”
“O Sr. Já viu isto? Descobri que o melhor que se pode fazer é comprar. Comprar é a única atitude decente a ter. Compre homem. Compre tudo, não interessa para quê! Se for o que tem mais, porque razão se há-de preocupar com a utilidade das coisas!!?”
Largue-me, que coisa? Mas quem é este tipo? Já me falaram de profetas e de loucos, mas não devo ter prestado muita atenção a essas aulas. Pelo menos, agora não me recordo de nada que me possa servir.
“Homens à direita, mulheres à esquerda, animais na ponta. NA PONTA!! NÃO OUVIU MINHA SENHORA! Quero lá saber se a tartaruga tem reumático! Os animais vão para a ponta e não se fala mais nisso.”
Oh! Não é preciso empurrar! Que raio de gente tão enfática, esta.
“Ó minha sebosa, estas coisas não são à borla! Um tipo tem de pagar aos artistas. Quais? Aqueles que andam ali à luta no ringue. Sim, eu sei que são ursos, mas os ursos custam dinheiro. O quê? Pouco me importam os direitos dos animais. Eu cá, cumpro-os. Veja que até salvei a vida aos pobres bichos. Trouxe-os do Pólo. A senhora já viu o frio que lá faz? Como está a ver, eu praticamente como que salvei a vida ao pobre bicho. Ninguém aguenta muito tempo aquele frio! E não há nada para se fazer. É totalmente desinteressante. E acredite que eu sei, já lá tive!”.
Disseram-me que tinha chegado a hora de cumprir a minha função. Não me explicaram bem foi que tipo de função era essa. Nem que iria ser empurrado por tipos vestidos de crepe, até umas mesas onde estão sentados uns tipos de preto. E agora, que é suposto dizer?
“Número.”
O quê?
“NÚMERO, não ouviu?”
- 1978, respondo.
- Secção de origem?
- Ocidental.
- O senhor está colocado no nível C. Siga para lá.
Sou empurrado por dois tipos vestidos de crepe que me arrastam de frente da mesa. Mas para onde é que me estão a levar?
- Ouve lá, assumir uma função não é a mesma coisa que coacção física. Mas que raio! Alguém me explica quem é aquele gajo e porque raio há-de ser ele a decidir para onde eu vou! Eu quero reclamar disto! E qual é mesmo o nome do seu colega?
“Existe sempre uma dose de pré-conhecimento adquirido. Utilize-o.”
Mas como, se não param de me empurrar!?
“Ah!? Bateste-me?!!”
Mandei-lhe um soco.
“Estás feito.”
Pelo sim pelo não, é melhor dar um passo atrás.
“Anda cá.”
- Não te irrites, não podes. És um dos rostos do sistema. Lembra-te que o sistema é amigo e eu recordo-me do teu número.
“Mete-te a andar antes que me arrependa.”
Já eu não me arrependo. Ele estava a merecê-las.
3.
Nova porta, nova secção. Nova gente, mais mesas, mais barulho. Aqui estão todos vestidos de verde. Chamam-me ali de uma mesa.
- O Sr. É?
- Secção C.
- Credenciais.
- Aqui.
Andei 20 anos a estudar. Entrego o diploma que confirma a minha história.
- O senhor então está habilitado ao mundo dos homenzinhos, certo?
- Não tenho bem a certeza...
- O senhor é uma condição. É o reverso do corpo, o lado imaterial, e aquilo que o une a todos os outros seres, pois cada um tem uma condição. Qual foi a nota do seu exame final?
- 12.
- Hum...estou a ver. Não é lá grande coisa.
- Foi o que se pode arranjar.
- O senhor tem consciência de porque razão está aqui?
- Não.
- Chegou a altura do senhor se unir a um corpo, lá em baixo, na Terra. O senhor estudou para funcionar como o elo de ligação entre o sistema e o corpo que habitar. E é perante nós que o senhor vai responder. Tem a certeza de que se lembra do que estudou?
- Tenho andado com alguns esquecimentos.
- Então veja lá se se deixa de esquecimentos. A sua função é da mais profunda importância. A condição é geral a todos os humanos, e só muda a circunstância concreta em que se revela. A avaliar pelo seu diploma, o senhor está habilitado à Secção C. Não é o mais complexo. Mas tenho-lhe a dizer que a sua Área é a Ocidental. E essa é a mais complexa. E foi para isso que o senhor andou a estudar. Se não entende o que lhe digo, então é porque não aproveitou com as lições que lhe proporcionámos. O senhor vai querer assumir isso?
- Não sei. Aqui parece tudo muito pouco disposto a ser contrariado... E para falar verdade, não tenho a certeza de ter compreendido bem o que afinal sou.
- O Senhor representa uma condição e vai exercer pressão sobre o corpo ao qual se vai unir, no sentido de o condicionar à sua condição, isto é, a si. E você, responde a nós, que lhe damos as instruções que o senhor precisa para desempenhar esse papel.
- Está então a dizer-me que não posso escolher o que quero ser?
- O senhor vai levantar problemas? Isso não é aceitável. O senhor vai representar a nossa capacidade de sujeitar um indivíduo á pressão do seu meio. Portanto, deixe-se de provocações e preocupe-se mas é com o sítio onde vai ser colocado. O seu Hangar é o 3. Vá para lá, que lá explicam-lhe qual vai ser a sua Subsecção.
- Mas...eu...eu ainda queria fazer outra pergunta.
- Ponha-se mas é a andar que me está a atrasar a fila.
Sigo. Aparece logo um tipo vestido de verde a indicar-me o caminho. Não disse uma só palavra. Mas pelo menos, não empurra. O que é estranho, é que não tem qualquer cheiro! Será que eu tenho algum? E sabor? Serei comestível? Serei palpável? Se calhar até posso metamorfosear-me.
- Ai não posso?!
Estou a ver que falei alto demais...
4.
Agora estou num corredor comprido. Lá ao fundo vejo umas escadas que sobem. Fim do corredor... escadas... Coliseu?
- Olá!
Quem é este agora?
- Bem vindo ao Hangar 3. Sou um dos teus condutores.
- És o responsável por isto?
- Antes fosse, antes fosse, mas não. Estou aqui para te ajudar. Para te explicar, que o importante é o caminho e não a sua natureza. Tudo é relativo, logo, nada é importante em absoluto. Por isso, só tens que aceitar a tua posição na engrenagem. É a tua verdade. E é tão sincera quanto a de qualquer outro. Lembra-te que não interessa conhecer tudo. Conhece bem somente aquilo que deves conhecer.
Que cretinice. Mas é melhor ficar calado.
- Para fazeres bem o que te compete, tens de ter segurança. Tens de acreditar em ti e nos valores. E é mais fácil acreditares, quando os outros à tua volta acreditam no mesmo. Faz todo o sentido integrares-te. E depois só tens de desempenhar a tua função, melhor que ninguém!
Aqui no mundo dos homenzinhos, todos sabemos que a integração é difícil. Tu tens sorte, pois estás num nível que te dá direito a teres um condutor. Há muitos que não têm nada disso. Ficam entregues a si mesmos. Mas o teu caso é diferente. Tu és da Secção C. E essa é uma das melhores. Temos um historial de desempenho a manter. Lembra-te disso. Não vais querer deixar ninguém mal, pois não?
Mas que coisa a desta gente, sempre com ameaças veladas. Devia era ter fugido enquanto havia tempo. Ao invés disso estou à beira de outro lance de escadas. Só que este desce.
- Boa sorte!
Desço aqui, é? Assim parece. Catacumbas? Sou claustrofóbico. Quer dizer: não é que me falte o ar, mas pelo menos acho sempre que me devia faltar.
- Desce, desce!
Outro!
- Desce. Vou levar-te até à tua zona de embarque.
- E tu vais dizer-me o quê?
- Não te vou dizer o mesmo que o meu colega te disse, se é isso que queres saber. O outro é o teu condutor pessoal. Eu conduzo várias condições, não uma só.
Bom. Como se não chegasse o prato principal, ainda tenha de comer a sobremesa.
- Mas não ligues muito ao teu condutor. Não te deixeis impressionar. Só vais fazer o que já muitos antes de ti fizeram, e se eles conseguiram, não há razão para tu não o seres capaz.
Este parece mais simpático. Mas aqui, é sempre de desconfiar.
5.
Ora bolas! Não estou nada preparado para isto! Não posso voltar atrás. Mas ainda tenho milhares de perguntas! E muito mais dúvidas quanto ao querer fazer o que me estão a mandar fazer. Não quero apanhar e nenhum veículo. Mas que raio de merda é esta coisa do mundo dos homenzinhos!!!
Elevador parou. Abre-se a porta.
“Saem umas calças azuis para a terceira mesa do canto!”.
Merda. Mas porque raio não fugi eu enquanto era tempo?
segunda-feira, 22 de junho de 2009
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