quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Rebelião

Incomoda-me o tom criticamente paternalista, com que os velhos se dissociam da sua responsabilidade para com os mais novos. Afinal, foram eles que criaram os valores que agora não são capazes de manter, reformar ou substituir. Quantos dos novos se encontram em posição de puder mudar algo, sem que tenham de se comprometer com os poderes instituídos para manter essa posição?

Aprendi com a filosofia que ter sentido remete para outra coisa que não a própria. Mas a vida não remete para nada mais que não para si mesma, pelo que, se encontrar um sentido implica algo de exterior ao mesmo, então a vida não pode ter sentido, uma vez que ela não remete para nada mais que não para a pulsão vital que a alimenta.

É uma acusação frequente, a de que a minha geração, tomada por um todo sem respeito pelas partes, é individualista, imatura e mundana. Que não acredita em nada exterior a si. É muito fácil para quem foi criado em tempos nos quais os valores eram menos questionáveis e as esperanças menos falidas, fazer essa acusação. Mas o que nenhum dos acusadores me vai dizer, é que coisa pode ser essa, maior que o próprio indivíduo, porque as coisas estão como estão, porque o sistema, tal como está, assenta no individualismo e na ganância que eles próprios criticam.

Que valor pode ser esse?

Honestidade, quando a corrupção recompensa? A justiça, quando o abuso de poder passa impune? Trabalho, quando o mérito é substituída pelo oportunismo? Sucesso, quando isso traz mais inveja que admiração? Deverás bater-te pela honra, sabendo que cada vez mais, os grandes gestos são ignorados? Pelo amor, quando vivemos obcecados com a auto-preservação? Que sentido pode ter o sacrifício, se tudo o que é negativo e doloroso não traz qualquer recompensa? Acreditar num sistema social que faliu sob o peso de intervenções deficitárias e ganâncias indescritíveis? Ser revolucionário? É uma ideia romântica, mas para sê-la, há que ter o projecto de uma nova ordem que substitua a antiga e esse é o nosso dilema: não temos nenhuma.

Na verdade, aquilo contra o qual há que me rebelar é contra a falta de vontade dos governos, em contrariar os poderes com os quais pactuam, privilegiando alguns em detrimento de todos. O entretenimento constante, a obsessão com o estatuto, tudo isso serve para reduzir relações a negociações, levando o valor de tudo a ser medido pela quantidade. Essa é uma boa coisa contra a qual me rebelar, a diminuição do meu valor humano, em favorecimento do meu valor utilitário e mecanicista. Aceitar isso é ver-me privado de uma componente inultrapassável da minha experiência como humano, que é o direito a ser algo mais que um padrão. Algo mais que o mínimo denominador comum.

A questão que devo colocar a mim próprio é o que quero ser. Se quero dissociar-me das consequências dos meus actos ou se quero a oportunidade de mostrar a ti próprio aquilo de que sou capaz. Muitas vezes a decisão que há a tomar, é se queremos ser escravos da dúvida ou do controlo. Contra isso também me devo rebelar, a favor do meu direito de parar para pensar.
Não te estou a pensar sair daqui e ir assaltar o Parlamento, até porque a esta hora não vou lá encontrar muita gente. Estou a dizer que devo lutar pelo direito a questionar-me, a exigir respostas. A desprezar a cobardia da ignorância. A não me dissociar do esforço e da frustração, que são sentimentos tão válidos quanto o prazer e a excitação. Mais tarde ou mais cedo, vou ter de te envolver nas decisões que a mim dizem respeito. Não vou deixar que as circunstâncias escolham por mim.

Descobri que o sentido que há, está em defender o meu direito a rebelar-me a favor do meu inabalável direito de não passar pela vida, sem descobrir aquilo pelo qual ela vale a pena ser vivida.

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