quinta-feira, 14 de maio de 2009

Em Resposta à tua Carta

Estava agora a tentar responder-te.

Mas sinceramente, sinto-me sem palavras.

Trago tudo dentro de mim, como uma praga centenária, rogada a um animal selvagem. Já devias saber que quando ardo, o faço de chama intensa, imparável e irreversível, porque de nada me serve guardar, quando tenho para oferecer tudo aquilo que sou.

E contigo fui poeta, jogador e alucinado. Contigo fui do tecto do mundo à raiva muda dos vencidos.

Agora já só me lembro de não te esquecer, votando ao silêncio o que sei ser escusado verbalizar. Logo eu, que sempre precisei da força das palavras, para exprimir o sabor que a tua boca me deixou no corpo. Todos temos uma ideia daquilo que merecíamos ter, e tu, para mim, tornaste-te na personificação do próprio Amor. Ao fugires sem me dizer nada, roubaste-me isso, que só tu me podias oferecer.

Tu, que habitaste fora de mim, num espaço em que mais nada existia. O mundo onde sempre te vi, foi aquele onde o medo deu lugar à compreensão e a rotina à cumplicidade. Aqui é o lugar, é esta a altura para criarmos juntos, disse-te eu. O futuro é só uma antecipação do passado. Precisei da tua presença para viver segundo a segundo, porque quis que fosses presente e não uma memória ou um sonho. Quis seduzir-te, quis amar-te. Quis ver-te em todas as tuas faces, não para te ter, mas para te partilhar. De certo modo, para mim, foste a razão da minha luta. Perder-te, foi o mesmo que perder o rumo e o sentido.

Por isso é que quando hoje li a tua carta, senti raiva.

Ao partires, levaste contigo o meu sossego. Fazes-me falta, porque deixei que me invadisses. Ignorei que ao fazê-lo estava a dar-te o poder de me magoares. Pensei que não o irias fazer. Acreditei que jamais me iria arrepender de ter confiado em ti.

Mas agora sei que me enganei e por isso mesmo sei que prefiro não te ver mais, porque nada de novo, velho ou reciclado, tenho mais para te dar.

Tanto disse e mostrei em tempo tão pouco, que para acrescentar, nada mais ficou. Vivi tão entusiasmado em viver contigo o fim de todos os dias, que me cansei de ver os dias esgotarem-se devagar, penosamente, com o indelicado peso da privação.

Percebo agora que refugiar-me em ti, foi um gesto de prazer infrutífero, uma supressão incipiente, criada para substituir o que não tem substituição.

É ridículo viver com o resto, quando o resto é um complemento de algo que não existe mais.

E foi isso que deixou de existir: nós.

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